terça-feira, 25 de setembro de 2012

O significado do voto em Russomanno

 

Published on Sep 25, 2012 by nivaldocordeiro

O artigo de João Pereira Coutinho de hoje na Folha (http://goo.gl/DlbvV, ou abaixo) comenta as eleições paulistanas. Nele o lusitano equipara a candidatura de Celso Russomano à do palhaço Tiririca. Coutinho errou. Russomano recebe um voto consciente, contra todos os socialistas que representam as demais condidaturas. Uma lição para os publicitários de campanhas.

 

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FOLHA

JOÃO PEREIRA COUTINHO

As democracias midiáticas

O que sucede quando a maioria escolhe mal? Ou escolhe o candidato errado pelos motivos errados?

O BRASIL não existe para o jornalismo português. Exceto quando nasce um fenômeno midiático.

Se perguntarem a um português anônimo quem foi Fernando Henrique Cardoso (que passou recentemente por Lisboa, com pompa e circunstância) ou o que significa o julgamento do mensalão, o lusitano terá dificuldades sérias em juntar duas ideias sérias a respeito. "Lula", sim, acende umas luzes, e não apenas gastronômicas. "Dilma", coitada, volta a apagá-las.

Mas se falarem do palhaço Tiririca, o português anônimo rasga um sorriso de orelha a orelha e completa: "Pior do que está, não fica". Tiririca foi o último grande estadista brasileiro a cruzar o Atlântico.

Celso Russomanno pode ser o próximo. Leio jornais lusos. Assisto a reportagens da TV nativa. Russomanno está em todo lado, distribuindo beijos e abraços na corrida para a prefeitura de São Paulo. Há um padrão aqui: Tiririca e Russomanno são produtos de fácil exportação porque ambos são produtos da televisão.

Uma virtude? Longe disso. E os lusitanos deveriam saber, até por experiência própria, que a crise de Portugal também se explica por esse padrão: durante anos, os portugueses não votaram necessariamente nos melhores candidatos. Apenas nos candidatos que tinham maior sucesso midiático. Deu no que deu.

Esse, aliás, é o problema principal das democracias atuais. A democracia é o pior regime que existe, com a exceção de todos os outros?

Sem dúvida. Mas existe um outro pensamento de Churchill sobre o assunto que também merece atenção: dizia ele, com típica bonomia, que o melhor argumento contra a democracia estava em falar durante dois minutos com um eleitor regular.

De fato. Uma cabeça, um voto. Em teoria, essa contabilidade pode ser um bálsamo para a nossa "paixão pela igualdade", para usar a expressão clássica de Alexis de

Tocqueville (1805-1859). Mas o que sucede quando a maioria escolhe barbaramente mal? Ou, pior ainda, quando escolhe o candidato errado pelos motivos errados?

O referido Tocqueville, cem anos antes de Churchill, já tinha alertado para o problema na obra "Da Democracia na América". A "era democrática", escrevia ele em 1835, seria imparável nas sociedades cristãs do Ocidente (sintomaticamente, Tocqueville era omisso sobre outras regiões do globo; um aviso sério para os poetas da Primavera Árabe que babam de lirismo por aí).

Mas a "era democrática", capaz de conceder a cada indivíduo iguais direitos e deveres, não apresentava apenas virtudes. Tinha perigos óbvios e o maior deles estava precisamente na ideia de que quantidade é qualidade.

Ou, como escreveu o autor, na crença infantil de que existe "mais inteligência e sabedoria em um certo número de homens unidos do que em um único indivíduo".

Com notável presciência, Tocqueville alertava para as "tiranias da maioria" e aconselhava alguns freios para evitar os seus excessos -descentralização política, liberdade de imprensa, reforço do associativismo, separação de poderes etc.

O que Tocqueville não poderia antever no século 19 era a emergência de um novo tipo de regime democrático no século 21: a democracia midiática, esse sistema que premia os talentos superficiais de um indivíduo (imagem de plástico, discurso populista, sentimentalismo postiço) e ignora as qualidades fundamentais de um líder (coragem, experiência, competência, temperança).

Eis a suprema ironia: a mídia assume-se como o "quarto poder", destinado a vigiar e a denunciar os abusos de todos os outros. Mas a própria mídia serve de instrumento, voluntário ou involuntário, para dar luz e palco a personagens que jamais seriam eleitas por suas exclusivas habilitações.

O resultado dessa perversidade é que cresce cada vez mais o abismo entre políticos que merecem ganhar eleições (independentemente da imagem) e políticos que podem ganhar eleições (independentemente da competência). A democracia midiática premia os segundos e ignora os primeiros.

Hoje, o obeso Churchill e o paralítico Roosevelt seriam ofuscados por um palhaço qualquer. Azar o deles?

Não. Azar o nosso, leitor. Quem elege palhaços, acaba vivendo num circo.

jpcoutinho@folha.com.br

AMANHÃ NA ILUSTRADA:
Marcelo Coelho

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