TERRA MAGAZINE
Para quem assistiu ontem a sessão de abertura do julgamento do processo criminal apelidado “Mensalão”, foi como ficar diante de uma xícara amarga de fel com 9 gotas de adoçante e duas de limão: 9×2.
O primeiro amargor ficou por conta do ministro Ayres Brito, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Brito faltou com a urbanidade com o combativo advogado Alberto Zavarias Toron. E todo funcionário público, tomada a expressão em sentido estrito e amplo, tem o dever de tratar a todos com urbanidade.
A surpreendente postura de Brito consistiu em impedir Toron, — que é defensor do réu João Paulo Cunha–, de falar, ou melhor, exercitar uma prerrogativa profissional.
Toron quis levantar uma questão de ordem e não lhe foi permitido expor.
Além da prerrogativa de advogado, violou-se, –perante uma Corte cujos demais ministros emudeceram pelo inusitado–, a garantia constitucional da ampla defesa e do direito de petição de uma questão de ordem.
Ayres Brito, como presidente do STF, tinha o dever de deixar Toron falar, ou melhor, apresentar a questão de ordem. E só depois indeferir. Indeferir, antes, foi um grave erro.
Pelo que se soube depois, Toron desejava o deferimento, –pelos defensores e quando das sustentações orais da tribuna do Plenário do STF–, do uso de recursos áudio-visuais. Na véspera, e numa sessão administrativa que contou com a presença de 9 ministros, decidiu-se que não seria permitido o uso desse tipo de recurso eletrônico durante o julgamento do Mensalão. Na tal sessão administrativa a votação foi de 5×4.
Como Brito não deixou Toron falar, os expectadores “boiaram” a respeito do que acontecia. Ou melhor, qual seria a pretensão de Toron. E, como se soube depois, Toron queria a manifestação dos dois ministros que não votaram na sessão secreta e isso para tentar mudar e ser admitido o uso, na sua sustentação oral, de recurso áudio-visual.
A propósito, vamos aguardar como vai reagir a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), –da qual Ayres Brito já foi membro—, diante do sucedido. Como a OAB, pelo seu presidente Ophir Cavalcante, se pronuncia sobre tudo, talvez, e diante do sucedido com Toron, se meta, agora, em questão pertinente e faça desagravo público a Toron.
Ontem, o clima no STF não foi dos melhores nem entre ministros.
O ministro Barbosa, ao invés de rebater a posição de Lewandowsk sobre questão constitucional, preferiu o ataque pessoal. Uma incivilidade típica de boteco e, evidentemente, imprópria num Pretório excelso.
Como Lewandowski é pessoa educada e altiva, conseguiu, com uma advertência , calar Barbosa.
Lewandowski, que preparou um substancioso voto, teve, ainda, o desprazer de ouvir de Brito um apelo para resumir o voto. Voto, aliás, bem afastado por 9×2 votos pois, caso vingasse, seria a porta aberta para a prescrição e a impunidade, por mais que se queira fingir que não. O desmembramento levaria os autos, com relação a 35 réus, para a primeira instância, com exceção a um dos acusados que é prefeito municipal ( tem foro privilegiado no Tribunal de Justiça do estado). No caso de condenação, caberiam recursos ao Tribunal de Justiça, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.
O procurador Gurgel surprendeu ao não arguir o impedimento e a suspeição de parcialidade do ministro Tóffoli. O argumento de Gurgel o de não querer retardar o julgamento. O argumento é assustador e cínico. Como a dizer, grosso modo, um prefiro a parcialidade de um suspeito a um julgamento justo.
Toffóli manteve postura olímpica, como se nada estivesse a acontecer ao seu redor. E nem resposta deu à opinião pública.
Parêntese aberto. O grande constitucionalista italiano Giovanni Sartori tem a melhor conceituação sobre opinião pública: “ Em face de a democracia ser o governo do povo para o povo, ela será em parte governada e em parte governante. Quando será governante? Obviamente, quando ocorrem eleições, quando se vota. E as eleições exprime, no seu complexo, a opinião pública”. Parêntese fechado.
A explicação para a omissão de Gurgel pode ser encontrada no voto do ministro decano Celso de Mello. Ao dar o voto, o ministro Celso de Mello abriu parêntese para garantir a imparcialidade dos membros do Supremo e avalizar que o julgamento do Mensalão será técnico, impessoal.
O advogado Thomaz Bastos que apresentou tese para desplugar do Mensalão 35 réus e só deixar os três réus que são deputados federais (Valdemar Costa Neto, Pedro Henry e João Paulo Cunha), não conseguiu derrubar a súmula do STF (704) que garante a unidade processual pela vis atrativa. Bastos perdeu a tese por 9 votos a 2. E os ministros com votos vencedores esclareceram que a questão de ordem, com o alerta de Bastos de que trazia matéria constituciona nova e inédita ao STF, não tinha procedência. A questão não era nova até porque, quando da edição da súmula 470, tratou-se da questão constitucional do “juiz natural” e da garantia ao “duplo grau de jurisdição” (no caso de foro privilegiado junto ao STF, a jurisdição se dá em grau único).
Como o clima não estava bom, o ministro Marco Aurélio de Melo ironizou ao lembrar que no “mensalinho” (conhecido por mensalão tucano e à frente o deputado mineiro Eduardo Azevedo do PSDB, o STF decidiu pelo desmembramento para réus sem foro privilegiado. E, ao “mensalão deu outro tratamento”.
Num pano rápido, a Têmis, deusa da Justiça, deixou Brasília, diante de tanta tristeza, com uma venda banhada de lágrimas.
–Wálter Fanganiello Maierovitch—
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