Golpe no Paraguai: para entender melhor em que situação estamos no Brasil e na América Latina
14/7/2012 11:12, Por Gilberto de Souza - do Rio de Janeiro
Os EUA, como o próprio nome indica, são um conjunto de Estados, unificados pela defesa da livre iniciativa no campo social, do capitalismo em seu modelo econômico e por uma espécie de democracia suficiente para manter o aparato estatal mínimo, mas capaz de permitir aos empresários a manutenção dos lucros crescentes e ascendentes, segundo a cartilha do velho Adam Smith. Cada empresa usa da mesma receita, pregada no ideário de liberdade sim, mas para lucrar cada vez mais e, sempre que o lucro estiver ameaçado, fazer uso da força militar financiada com os impostos arrecadados, em qualquer lugar do mundo onde haja uma reação ao american way of life. Este se baseia no consumo exacerbado pelas classes sociais mais baixas como forma de sustentar o preço das ações na Wall Street, e na propaganda, como o estilo de vida que o mundo deve almejar. Imaginam os norte-americanos que isso é ser civilizado, moderno e ‘adequado’ aos padrões que os grandes conglomerados econômicos fixaram em defesa de seus próprios interesses.
Na Constituição norte-americana – um tipo de contrato de longo prazo que garante os investimentos privados – a liberdade, a democracia e os direitos humanos servem como pano de fundo para o discurso que valida a intervenção externa em qualquer outra nação onde, segundo seus executivos, tais valores encontrem-se ameaçados. Esta ameaça é identificada sempre que os ganhos empresariais são confrontados com os interesses de cada sociedade. Se o Iraque pensa em suspender a venda de petróleo aos EUA, invadem-no. Se Cuba oferece uma nova visão social, baseada no conhecimento ao invés do consumismo, impõem um bloqueio de mais de meio século. Se, na América Latina, os partidos de esquerda crescem e formam governos, tratam de derrubá-los. Financiam violentos golpes de Estado, como ocorreu no Brasil, no Chile e na Argentina, ou forjam uma tomada do poder com base no Parlamento corrupto, a exemplo de Honduras e, agora, do Paraguai. A questão de fundo, no entanto, é sempre a mesma. Qualquer ameaça às empresas norte-americanas será sempre respondida com força suficiente para dizimá-la.
Há, porém, uma onda mundial – que navega pela internet, ocupa ruas e praças – e é capaz de denunciar os Estados Unidos como algozes da democracia, detratores dos direitos humanos e uma força mercenária, sustentada pela minoria que se apropriou da riqueza mundial. Trata-se de um movimento que ainda engatinha na ampla gama de países classificada, até pouco tempo atrás, como a horda do Terceiro Mundo. Mas hoje, frente à crise instaurada no âmago do próprio sistema capitalista, levanta-se de forma a impedir, por exemplo, uma invasão à Síria. Ou o ataque às instalações nucleares do Irã. Ou, ainda, a manutenção de um embargo ao governo cubano, cada vez mais pífio diante da interação destes países que se afastam da linha ditada por Washington. Longe, porém, de estarem derrotados, os EUA e os países-membros da Organização do Tratado Atlântico Norte (Otan), mais os satélites que os orbitam, agem com desenvoltura nas mais variadas frentes, a ponto abusar da sorte, como no golpe paraguaio.
Acontece que, em um jogo pesado como este, durante o qual ocorrem assassinatos seletivos ou em massa, venda de armas, compra de parlamentares, aliciamento de intelectuais e tantos outros expedientes sujos, o Brasil, a Rússia, a China, a Índia e a África do Sul (ou Brics, como é conhecido esse grupo) ainda tratam de questões idênticas de forma heterogênea, sem a coesão que os Estados defensores do capitalismo detêm, desde o ápice do Império Britânico. Armados até os dentes, com um poderio bélico capaz de destruir toda a vida no planeta seguidas vezes, como se fosse necessário mais do que uma só, estes atores trabalham no contra-ataque. Esperam para ver até onde chega o avanço da reação aos interesses do capital internacional e, em seguida, lançam mão do expediente mais adequado à defesa do sistema. Na América Latina, foi assim contra Allende, Jango, Zelaya e, agora, Lugo. A simples ideia de cucarachos se insurgirem contra os poderosos norte-americanos é capaz de causar insônia na base empresarial do Primeiro Mundo.
Se for para o caldo entornar de vez, basta um governo desses anunciar a estatização dos bancos, a revisão da dívida externa, a suspensão das remessas de lucros, a reforma agrária, a substituição da propriedade privada em nome do interesse coletivo ou a nacionalização da indústria. Em questão de horas, a IV Frota estará a postos nas costas do que a mídia colonizada passará, rapidamente, a chamar de nação terrorista, ameaça vermelha ou coisa que o valha. Em minutos, a Igreja Católica, as sinagogas e os protestantes convocarão seus crentes a uma guerra santa contra os comunistas. As facções armadas, dentro das Forças Armadas, receberão um soldo extra, trasladado pelas agências de inteligência dos países ricos, para matar e esfolar à vontade. As carolas voltarão a bater panelas na Avenida Rio Branco e pronto. Estará montado o circo, no qual os palhaços serão aqueles que protestavam por 10% do PIB para a Educação, pela terra para quem nela trabalha, por uma América Latina para os latino-americanos. Cerram as portas e tacam fogo.
Uns, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou sua sucessora, Dilma Rousseff, no Brasil, vão tentando mudar as coisas meio que na flauta, sem levantar muita poeira. Deixam que os bancos lucrem o quanto quiser. Permitem que as elites econômicas da Avenida Paulista e do agronegócio ajam com desenvoltura, apoiadas nos meios de comunicação patrocinados por rios de dinheiro público e algum da banca, em mega agências de publicidade. Mantêm todo mundo bebendo refrigerante sabor cola e garantem a segurança do patrimônio internacional. Fazem uns acordos esdrúxulos com a direita, aparecem mal na foto, mas vão em frente. ‘No sapatinho’, como diria o sambista.
Outros, porém, seguem no atalho para uma sociedade mais justa e igualitária. Hugo Chávez, na Venezuela, Cristina Kirschner, na Argentina, Evo Morales, na Bolívia e Rafael Correa, no Equador, começaram a agir de forma objetiva, sem floreios porque o tempo é curto. O golpe no Paraguai, no entanto, já faz parte da contra-ofensiva capitalista. Não tendem, os EUA e seus sócios, deixar barato uma revolução como essa na América Latina, no que consideram o galinheiro deles ou, na melhor das hipóteses, o celeiro de alimentos, água e biodiversidade, no entendimento mais amplo da Doutrina Monroe.
Preparemo-nos, pois, para as surpresas guardadas no saco de maldades do Tio Sam.
Elas vêm. Inexoravelmente, vêm.
Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do Correio do Brasil.
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