23 de outubro de 2012
* “Nunca o vi observar pais com seus filhos”: A assistente social que afirma ter sido forçada a tirar bebês de suas mães pelo “especialista” que brincava de ser Deus
* Keira Roberts trabalhou para o Dr. George Hibbert no Centro de Aconselhamento Familiar da cidade de Swindon, 130km a leste de Londres
* Hibbert dava tarefas estranhas aos pais, como trocar um pneu de carro enquanto cuidava da criança
* Keira: ‘Tivemos que colocar coisas ruins em nossos relatórios’
* O Dr. Hibbert ganhava mais de £40,000 (R$120.000) por semana.
Katherine Faulkner
Qualquer pessoa que trabalhe em um Conselho Tutelar lhe dirá que um dos piores aspectos do trabalho é ter que tirar uma criança dos braços da mãe, possivelmente para sempre.
Só isso já é de partir o coração, ainda mais quando se sabe com 100% de certeza que retirar a guarda dessa criança é o melhor para ela. Mas e se você estivesse sendo forçado a afastar uma criança de uma mãe que você acredita ser boa e dedicada?
Keira Roberts nunca imaginou que se encontraria em tal posição quando aceitou trabalhar para um psiquiatra eminente que se especializou em ajudar as autoridades locais a identificar pais perigosos ou negligentes.
“Brincando de Deus”: Dr. George Hibbert, especializado em ajudar autoridades locais a identificar pais perigosos e negligentes
O Dr. George Hibbert era visto como um dos principais especialistas em abuso infantil, dava palestras na Universidade de Oxford e assessorava membros do parlamento acerca do sistema de varas de família.
Quando Keira concordou em trabalhar para ele, foi em um dos seus Centros de Aconselhamento Familiar, um dos lugares para onde eram encaminhadas as famílias que estavam sob monitoração das assistentes sociais. Essas famílias eram monitoradas dia e noite enquanto se decidia o que se deveria fazer em seguida.
Era um processo bastante invasivo, mas Keira presumia que o Dr. Hibbert, que tinha alta confiança (e um belo salário) de várias autoridades locais, sabia o que estava fazendo.
E após o escândalo da morte do bebê Peter Connelly, ela entendeu como era importante agir em todas as suspeitas de abuso dos pais.
Mas proteger crianças é uma coisa. Destruir famílias, aparentemente por razões banais, é outra. No entanto, isso é o que Keira acusa o Dr. Hibbert de ter feito, e em uma escala espantosa.
O primeiro sinal de alerta surgiu quando Keira sentiu que o Dr. Hibbert queria que sua equipe tivesse como prioridade registrar apenas os aspectos negativos que observavam.
E ela ficou assombrada quando os pais eram submetidos a tarefas bizarras e, acreditava ela, injustas, para avaliar como se comportavam.
Ela assistiu a uma jovem mãe fazendo esforço para utilizar o aspirador nas escadas enquanto segurava um bebê. Outra foi enviada ao supermercado com o bebê para carregar sozinha uma enorme quantidade de compras para 14 pessoas.
Mas sua estupefação com os métodos do Dr. Hibbert se transformaram em terror quando ela viu que quando os pais “fracassavam” nas tarefas para os padrões elevados (ou “impossíveis”, como ela colocou) do Dr. Hibbert, isso contava para eles negativamente, e seus filhos lhes eram tirados.
E o que lhe assombra é que algumas vezes sobrava para ela a responsabilidade tirar as crianças dos pais a força.
O caso que ainda lhe tira o sono envolveu uma jovem mãe chamada Anna, uma mulher que Keira havia observado por 14 semanas e considerava uma boa mãe. Ela vinha de um histórico difícil, mas não havia provas de que ela era abusiva ou negligente com relação ao seu bebê.
Sob investigação: Dr. George Hibbert em frente do Centro de Aconselhamento Familiar em Swindon
Aliás, Keira estava impressionada com o bom trabalho que ela estava fazendo para cuidar de seu filho.
No entanto, um dia, às 5 horas da manhã, Keira estava trabalhando no centro de aconselhamento familiar quando Anna apareceu chorando. Estava com o bebê nos braços, andando impacientemente de um lado a outro e aos prantos, implorando a ajuda de Keira.
“Ela estava convencida de que iria para casa sem seu bebê porque pensava que havia fracassado. Estava histérica. Perguntava repetidamente: ‘Você acha que sou uma boa mãe?’ Minha resposta era sim, mas não havia nada que eu poderia fazer. O Dr. Hibbert havia tomado sua decisão”.
Mais tarde, foi Keira quem teve que tirar o bebê dos braços dessa mãe. “Foi a pior coisa que já tive que fazer”, afirma.
Mas Anna não foi um caso isolado. A frequência com que bebês eram tirados dos seus pais em razão das práticas do Dr. Hibbert ainda não é conhecida. Mas Keira não foi a única a temer que seu chefe estava abusando de seus poderes.
Algumas semanas antes, o Dr. Hibbert se ofereceu para abrir mão de sua licença quando o Conselho Geral de Medicina abriu uma investigação por causa da acusação de que ele teria deliberadamente feito um diagnóstico errado, de que mães apresentavam distúrbios mentais, para atender às exigências das assistentes sociais.
O Conselho negou a oferta do Dr. Hibbert, e está investigando sua competência para exercer sua profissão.
É a primeira vez que um membro de sua equipe se manifestou para falar sobre o que dizem acontecer dentro de um dos seus centros de aconselhamento familiar.
Keira trabalhou por mais de um ano para o Dr. Hibbert no centro Windmill House, na cidade de Swindon. Seu relato, que foi dado com a condição de que sua identidade fosse mantida em sigilo, descreve o horrível cenário nas vidas dos pais sobre os quais Hibbert disse às varas familiares serem “inaptos” para cuidarem de seus filhos.
Não se conhece o número de famílias que foram destruídas pelo Dr. Hibbert, mas Keira confirma que devem ser “muitas”.
Entre quatro e oito famílias viviam em Windmill House em qualquer dado momento, com Keira e suas colegas observando-os 24 horas por dia, inspecionando todas as interações dos pais com seus filhos.
Era como “a casa do Big Brother”, afirma, “mas 100 vezes pior, porque se eles fizessem algo que fosse considerado errado, corriam o risco de perder seus filhos”.
Mesmo à noite, afirma Keira, a equipe escutava a interação entre pais e filhos (e, no caso de casais, suas conversas íntimas) por meio de babás eletrônicas.
Ela afirma que as mães não tinham privacidade nem mesmo para amamentar seus filhos. “Sempre achei isso muito invasivo” afirma Keira.
“Quando estava observando os pais no mesmo recinto, costumava beber lentamente um copo d’agua ou fazer palavras cruzadas para que eles não se sentissem tão observados”.
Talvez essa intrusão fosse justificada se as observações sobre as interações dos pais com seus filhos tivessem sido honestas.
Keira afirma que as coisas começaram de uma forma equilibrada, com a equipe sendo orientada a escrever, nas margens das suas abundantes anotações, um pequeno “G” (good) para boas atitudes, “B” (bad) para más atitudes, e “R” para ações rotineiras.
Mas depois, segundo ela, eles entenderam que tinham que anotar apenas os aspectos ruins das ações que observavam.
Ela afirma: “O Dr. Hibbert disse: ‘Tudo o que quero, tudo o que preciso é que vocês destaquem tudo o que for ruim’. Não incluíamos quaisquer boas ações dos pais porque as varas não iriam considerá-las como interpretação”.
A equipe estava horrorizada, acreditando que isso iria gerar uma “visão distorcida”.
“Não acredito que qualquer pessoa tenha achado isso correto”, afirma Keira, “mas ele disse que tínhamos que reduzir a papelada que repassávamos a ele”.
Outro método do Dr. Hibbert era o de submeter os pais a tarefas bizarras, como trocar o pneu de um carro enquanto cuidava de um bebê.
“Os testes eram ridículos”, afirma Keira. “Vários dos membros da equipe disseram que se estivéssemos na mesma situação, iríamos fracassar. Era um ambiente totalmente improvável e falso”.
Mas, por incrível que pareça, as mães com frequência se saiam bem nas tarefas, apesar das dificuldades. “Elas estavam desesperadas para passar”, lembra Keira.
Embora ela e seus colegas tivessem que observar os pais 24 horas por dia, Keira afirma que o Dr. Hibbert raramente estava em Windmill House.
A equipe o via ocasionalmente entrando e saindo do estacionamento em um dos seus Porsches (um preto e um prata), ou aparecendo no escritório para pegar um dos seus ternos de grife, que alguém da equipe havia levado para lavar a seco.
Mas Keira alega que “nunca” viu o psiquiatra de fato observar os pais com seus filhos antes de escrever seus relatórios para as varas de família, o que seria extraordinário se fosse sempre o caso, considerando que esse homem estava ganhando um salário muito alto à custa dos cidadãos que pagam impostos para fazer uma “avaliação intensiva e multifacetada” de uma mãe por mais de 12 semanas.
Rico: Dois Porsches podem ser vistos estacionados em frente à casa do Dr. Hibbert perto de Swindon. Em determinado momento em 2010, quando ele tinha 11 residentes no centro de uma vez, o Dr. Hibbert estava recebendo mais de R$120.000 por semana.
“No ano em que estava lá, não o vi uma única vez observar um pai ou mãe com seu bebê”, afirma Keira. “Era ridículo. Como ele pode dar uma opinião de especialista sobre o comportamento dos pais se ele nem sequer os observou?”
O Dr. Hibbert admitiu que limitou suas interações com os pais por causa dos fortes efeitos que isso poderia causar.
No entanto, poucos teriam suspeitado de que ele raramente observava as pessoas cuidando de seus filhos.
Não apenas isso, as somas cobradas pelo Dr. Hibbert para seus aconselhamentos familiares são espantosas. As varas de família têm pago milhares de libras por semana por seus pareceres.
Cada pai com um filho na unidade lhe rendem £4.100 (cerca de R$ 12.000) por semana. Esse valor sobe para £6.150 (cerca de R$19.000) para um casal e um filho, ou £8.200 (cerca de R$25.000) para um casal e dois filhos.
Em determinado momento em 2010, quando ele tinha 11 residentes no centro de uma vez, o Dr. Hibbert estava recebendo mais de £40.000 por semana, mais £210 (cerca de R$650) que cobrava por cada hora em que tem que ler a papelada dos pais.
Essa conta era dividida entre as autoridades locais, o representante legal da criança e o advogado que atuava como procurador dos pais. Em outras palavras, dinheiro público.
Apesar dos enormes custos, os aconselhamentos do Dr. Hibbert parecem depender em grande parte de anotações feitas por membros de sua equipe, alguns de até 19 anos.
Keira insiste que o Dr. Hibbert geralmente via os pais por não mais do que 20 minutos por semana. Os funcionários, que recebiam um salário de £16,500 (cerca de R$ 50.000) por ano, ficavam com a responsabilidade de observar os pais por ele.
“Não éramos especialistas, nenhum de nós era”, confirma Keira. “Alguns não tinham qualificação nenhuma. No entanto, éramos nós que de fato observávamos os pais com seus filhos”.
Com os pais arcando com a própria alimentação, cozinhando e cuidando da limpeza sozinhos, os funcionários comentavam que o Dr. Hibbert “devia estar faturando muito alto com o seu centro de aconselhamento familiar”. No entanto, esse era apenas um dos seus bicos altamente rentáveis.
Ele também ganhava uma fortuna testemunhando em julgamentos como especialista, para o qual cobra a absurda quantia de £1.800 (cerca de R$ 5.500) por dia. E por incrível que pareça, ele ainda faturava £105 (cerca de R$300) por hora pelo tempo de viagem de ida e volta das audiências, mais cerca de £0,72 (cerca de R$2,20) por quilômetro como custo de combustível.
“Não sei com que frequência ele ia a audiências, mas era mais ou menos uma vez por mês”, lembra Keira. Segundo ela, ele não era um chefe gentil, e alega que ele estava sujeito a crises de “mau humor” e costumava “andar pesado” quando estava irritado. Keira o descreve como uma “presença intimidadora”.
“Ele me olhava com desprezo”, afirma. “Ele era mais inteligente, ele era quem sabia de tudo; nós éramos apenas seus lacaios. Nunca encontrei alguém tão cheio de si. Também se achava uma dádiva de Deus para as mulheres”.
No ano em que trabalhou no centro, vários funcionários pediram demissão devido ao que Keira acreditava ser problemas com o Dr. Hibbert.
E não demorou muito até que ela começasse a ter sérias dúvidas. “Com algumas mães, parecia não importar o que escrevíamos”, afirma ela. “Parecia que ele tinha tomado sua decisão a respeito delas desde o início”.
Outras, acredita ela, eram criticadas “por nada”.
Um jovem pai foi acusado de ter “tendências pedófilas” depois que uma assistente social o observou deitado no chão com sua filha assistindo televisão.
Outro foi acusado de ter um estilo “invasivo” porque gostava de fazer cócegas em sua filha, no que Keira afirmava que o bebê “simplesmente adorava”.
O caso mais bizarro foi o caso de uma mãe casada que gostava de escrever lembretes. “O Dr. Hibbert nos disse que escrever lembretes não era um comportamento normal. Ele disse que era obsessivo. “Todos nós dissemos: pera lá, nós fazemos isso também!”
Mas os pais não tinham como ganhar.
“Se os pais não confiavam nele, eram rotulados de paranoicos”, lembra-se Keira. “Se ficassem tristes, ele dizia que não eram estáveis”.
O fim da picada com o Dr. Hibbert veio quando ela observou uma reunião que ele teve com uma mulher que descrevia como ela uma vez foi estuprada.
A reação do psiquiatra deixou Keira chocada. Ela afirma: “Eu o vi colocar os dedos nos ouvidos e dizer: ‘Nã nã nã, não estou escutando’. Não pude acreditar no que eu estava vendo. Não tive a impressão de que ele tinha um pingo de empatia”.
No início de 2010, o Dr. Hibbert abriu mais quatro quartos no seu centro de aconselhamento.
Mas poucos meses depois de ter aberto o prédio extra (chamado de O Anexo), de repente ele fechou todo o centro.
Disseram aos funcionários que os negócios com as autoridades locais estavam ficando escassos devido à situação econômica, e que toda a equipe iria perder o emprego.
“Foi muito estranho”, lembra Keira. “Alguma coisa não estava certa. Ele gastou todo esse dinheiro equipando o prédio, e ainda estávamos recebendo ligações das autoridades locais nos pedindo que internássemos mais famílias”.
Foi apenas mais tarde que Keira descobriu o que acredita ser a verdadeira razão de o centro ter fechado tão abruptamente: seu ex-chefe estava sendo investigado pelo Conselho Geral de Medicina.
Uma jovem mãe alegou que ele deliberadamente a diagnosticou com transtorno bipolar, uma decisão que trouxe como consequência a perda de seu filho.
Na última sexta-feira, um porta-voz do Dr. Hibbert disse: “A Sociedade de Proteção Médica, em nome do Dr. Hibbert, confirma que não foi encontrado nada contra ele pelo Conselho Geral de Medicina ou qualquer outra entidade. O Dr. Hibbert não pode comentar a respeito de investigações em andamento devido ao seu compromisso de confidencialidade dos pais e suas obrigações profissionais”.
Quanto a Keira, ela afirma que quer ir ao Conselho contar sua história.
E acrescenta: “Pessoalmente, quero que ele seja processado, tenha seus bens confiscados e vá para a cadeia. O que ele fez é imperdoável”.
Alguns nomes foram alterados.
Traduzido por Luis Gustavo Gentil do artigo do Daily Mail: “'I never saw him observing parents with children': The woman who said she was forced to take babies from their mothers by the 'expert' who played God”
Fonte: www.juliosevero.com
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