REINALDO AZEVEDO
03/10/2012 às 6:39
O relator do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, começa a julgar hoje a parte do Capítulo VI da denúncia que trata da corrupção ativa. Entre os réus, estão José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares. Toda a procrastinação, toda a chicana, todas as vigarices intelectuais tornadas influentes, todas as agressões ao Supremo, todos os ataques à imprensa independente, todo o achincalhe à ordem legal, todas as teses sem embasamento jurídico, toda essa maquinaria estúpida, em suma, posta em ação buscava evitar que se chegasse ao dia de hoje. Estamos lidando com pessoas especializadas em fraudar a história, em retocar os fatos, em maquiar a realidade. Por isso mesmo, é preciso que jamais nos esqueçamos: eles se mobilizaram para que o julgamento jamais acontecesse.
Depois de montar um esquema comprovadamente criminoso para comprar a representação parlamentar, como já está comprovado pelos próprios ministros do STF, os mesmos criminosos atuaram de forma pertinaz, determinada, sôfrega até, para que o julgamento fosse para as calendas. E mostraram uma ousadia espantosa! Como revela Marcos Valério — já a caminho da cadeia — a seus interlocutores, ele recebeu a garantia do Palácio do Planalto, então sob o comando de Lula, de que não haveria julgamento nenhum! A Valério foi dito, mais ou menos como fazem os traficantes ou as milícias quando tomam conta de uma área: “Está tudo dominado!”. E, como se vê, felizmente, ainda não! Ainda há, perdoem-me repetir isto de novo!, juízes em Brasília.
O que se tem claro a esta altura do julgamento? O esquema criminoso a que se chamou mensalão existiu. Nunca é demais lembrar que esse neologismo é apenas uma espécie de marca-fantasia. Faz sentido! Os “ãos” e “ões” da língua portuguesa se associam, com frequência, a posturas desastradas, meio destrambelhadas; a práticas às quais faltam graça e elegância; a comportamentos reprováveis porque grosseiros, agressivos ou mesmo abestalhados; a pensamentos que se deixam marcar pela incultura, pela vulgaridade, pela falta de decoro. Assim, ainda que o “mensalão” não resuma, com efeito, o que foi expressão de um projeto de assalto ao estado — e ao estado de direito —, o nome parece bom! Esse “ão” lhe desenha a devida face abrutalhada, que viola os fundamentos da democracia e do estado de direito.
Agora vem a hora perigosa
Qualquer que seja o destino dos réus ainda não julgados, já está devidamente comprovado: a compra de apoio político no Congresso existiu. E isso quer dizer que se fraudou e se violou um dos Poderes da República. E assim se procedeu recorrendo ao dinheiro público, razão por que réus foram condenados por peculato. Não só isso: foi preciso fraudar a gestão de um banco — e o sistema financeiro é um bem tutelado pela Constituição brasileira — para que a engrenagem criminosa funcionasse. Políticos se deixaram corromper e lavaram dinheiro para dar corpo ao projeto petista de dominar o Congresso e governar o país fora dos limites da Constituição e das balizas institucionais.
Muito bem! Tudo isso se fez em proveito, então, desse projeto de poder. Se houve o polo passivo da corrupção; se houve aquele que mercadejou sua função pública, cumpre perguntar: quem era o polo ativo? Quem os corrompeu? Haverá de se contentar a nação com uma história da carochinha? Com que então os parlamentares que se deixaram corromper estariam a serviço do “corruptor” Marcos Valério, como se fosse ele o dono do tal projeto de poder? Ora… Na semana passada, numa indevida manifestação de partidarização do debate, o ministro Ricardo Lewandowski resolveu lembrar o mensalão mineiro, destacando (e já o fizera antes) que Valério atuou também naquele caso.
Muito bem! Eu não sou especialista em leis, é claro!, como não cansam de lembrar os petralhas — embora, vejam os arquivos e os vídeos da VEJA.com, eu tenha madado bem no mensalão, hehe. Mas sei ler, levo em conta o sentido das palavras e sou um apaixonado pela lógica. Não poderia haver melhor argumento do que o do próprio Lewandowski — eu sei que ele não quis prejudicar os petistas, claro! — para demonstrar que, por óbvio, o “ativo” de todos aqueles “passivos” não era Valério; não sozinho ao menos. O projeto de poder deste senhor, provavelmente, era ficar ainda mais rico. Quantos são os da sua espécie que se ligam a governos, a quaisquer governos, para prestar serviços? Os horizontes de alguém como ele não são dados pela ideologia, pelas convicções, pelas crenças… Ele é um caçador de oportunidades. Se, amanhã, o, digamos, PCO chegar ao poder, aparecerá alguém de sua estirpe para criar facilidades…
Quem detinha os arcanos do projeto petista? Quem se especializava — e gosta ainda hoje de brincar disso… — em interpretar os oráculos? Quem é que lia as entranhas do poder para tomar as decisões? Sim, dirão vocês, e estão certos nisto, o chefe era Lula. Ocorre que ele não é um dos denunciados — não ainda ao menos. Seu braço direito no controle da “máquina”, seu “primeiro-ministro”, era — e ele próprio fazia questão de alardear — José Dirceu.
Responsabilidade objetiva?
Não se cuida aqui, por óbvio, de afirmar que se está diante da chamada “responsabilidade objetiva”, com a qual se podem cometer grandes injustiças. Não! Ao contrário até! Dirceu nem era, formalmente, o chefe do partido. Comandava a máquina que produziu aqueles horrores, em parceria com Lula, porque tinha, ATENÇÃO!, mais do que o poder objetivo de fazê-lo: ELE TINHA O PODER POLÍTICO. Por isso a banqueira Kátia Rabello mantinha encontros com o então chefe da Casa Civil. Porque, afinal de contas, era ele a tomar as decisões.
No tempo em que os petistas ainda apostavam que o processo do mensalão não daria em nada porque, afinal de contas, tudo estaria dominado, o próprio Dirceu fazia praça de seu poder. Atenção! Mesmo cassado pela Câmara por corrupção, mesmo formalmente fora do poder, mesmo atuando como lobista de empresas privadas, ela concedeu uma entrevista à revista Playboy em que se orgulhava da influência que mantinha no Palácio do Planalto. Leiam trecho:
PLAYBOY – O senhor não parece muito à vontade ao falar da sua atividade de consultor.
José Dirceu – A lei me obriga ao sigilo e à confidencialidade, tanto no escritório de advocacia como aqui. Fazem campanha para me prejudicar. A minha vida é pública, eu continuo fazendo política, então é natural que escrevam e falem de mim. A minha atividade como consultor está totalmente legal, faz dois anos que saí do governo. Eu esperei um ano e meio. Posso fazer qualquer atividade.
PLAYBOY – Ter passado pelo governo que continua no poder não ajuda?
José Dirceu – O Fernando Henrique pode cobrar 85 mil reais por palestra, e eu não posso fazer consultoria? No fundo, o que eu faço é isso: analiso a situação, aconselho. Se eu fizesse lobby, o presidente saberia no outro dia. Porque no governo, quando eu dou um telefonema, modéstia à parte, é um telefonema! As empresas que trabalham comigo estão satisfeitas. E eu procuro trabalhar mais com empresas privadas que com empresas que têm relação com o governo.
Voltei
O que mais eu poderia acrescentar contra José Dirceu que ele já não o tenha feito melhor do que eu? Essa entrevista é de 2007, ano em que a denúncia foi aceita pelo Supremo. Então o consultor, o lobista, o deputado cassado por corrupção podia, segundo ele próprio, mobilizar a República com um simples telefonema? Do que não era capaz o superpoderoso chefe da Casa Civil, que não fazia questão nenhuma de esconder que se considerava o sucessor natural de Lula? Dirceu tem tanto orgulho dessa entrevista que a mantém em seu site pessoal.
No governo Dilma, seus telefonemas passaram a ter um pouco menos de importância, é fato. Para compensar, ele decidiu montar uma espécie de governo paralelo num quarto de hotel, em que recebia, à socapa, os líderes do governo no Congresso, ministros de Estado, presidentes de estatais, parlamentares… E o Zé poderia dizer: “Os meus clientes estão satisfeitos”.
Chegou a sua hora, Dirceu! Faço aqui essa reconstituição porque as minudências do processo são apenas a expressão, digamos, penal do fato histórico. Sem contar que, até hoje, fico aqui a me perguntar por que um certo Bob Marques, carregador de malas de Dirceu, tinha uma autorização — embora não conste que a tenha utilizado — para sacar R$ 50 mil do Banco Rural. Ou por que uma ex-mulher de Dirceu, quando foi arrumar um segundo emprego, foi parar justamente no BMG, um dos bancos que “emprestaram” dinheiro ao PT (segundo um dos diretores da empresa, foi a pedido de Valério). Ou por que essa mesma ex-mulher, ao vender um apartamento (e receber R$ 20 mil adiantados, em espécie), encontrou como comprador justamente Rogério Tolentino, um dos braços direitos de… Valério!
Às vezes, um mundo que parece pequeno demais é apenas promíscuo demais.
Chegou a sua hora, Dirceu! Que a Justiça lhe seja… JUSTA!
Texto publicado originalmente às 5h05
Por Reinaldo Azevedo
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