A neta do agricultor gaúcho Milton Seipel, de 54 anos, 34 vividos no Paraguai, pediu chorando ao avô para mudar de escola. Os colegas se uniram para, em meio a empurrões, dizer à menina de 11 anos que ela saísse do colégio. O motivo: ela não fala o guarani, idioma nativo do país. “Ela nasceu no Paraguai, como quatro de meus filhos, meus onze netos e minha bisneta”, diz Seipel. “As crianças disseram que ali não era lugar para brasileiros.” A menina trocou não só de escola como de cidade. Para o avô restou a saudade. Da neta e de tempos mais tranquilos.
Entrevista com o embaixador: "Diálogo com o Paraguai é leal e amistoso"
Os 150 000 brasileiros proprietários de fazendas no estado do Alto Paraná, leste do Paraguai, estão sob ameaça. Aproximadamente 8 000 carperos – os sem-terra paraguaios – cercam as suas propriedades. Armados de facões e porretes de madeira, eles destroem plantações, agridem e ameaçam os produtores rurais. Seu discurso tem um claro componente nacionalista e, mais que isso, de estigmatização dos brasileiros, como mostra o episódio com a neta de Seipel. Também há indícios preocupantes de que as autoridades paraguaias se alinham com os carperos.
No entanto, fiel à diplomacia da condescendência adotada desde o governo Lula em relação aos vizinhos, o Itamaraty responde de maneira tímida aos abusos. O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, conversou apenas uma vez com o chanceler paraguaio, Jorge Lara Castro, sobre os conflitos. Foi coletar informações. A ordem de Patriota para que o embaixador do Brasil no Paraguai, Eduardo Santos, visitasse a região só aconteceu um mês depois da primeira incursão dos carperos pelas terras de brasileiros. Só agora o Itamaraty estuda reforçar a estrutura consular no local, informou o embaixador Eduardo Santos. A reportagem do site de VEJA esteve na região e mostra quem são os protagonistas desse embate e os reflexos diplomáticos dele.
ABC Color
A tensão cresceu nas últimas semanas, quando o Exército paraguaio, acompanhado de falanges de carperos, iniciou uma demarcação de terras no Alto Paraná que ninguém no governo de Fernando
Lugo conseguiu explicar até agora. Foram fincados no chão doze marcos de concreto em sete cidades, como terra pública a ser destinada para reforma agrária. Eles acusam os brasileiros de ter se apropriado dos terrenos. “Os invasores são os brasileiros”, afirma Victoriano Lopez, comandante do movimento. A maioria absoluta dos brasileiros que vivem no Alto Paraná, contudo, comprou fazendas de forma legal e tem título da propriedade. E o fato foi comprovado por sucessivas medições judiciais feitas nos últimos anos.
Lugo conseguiu explicar até agora. Foram fincados no chão doze marcos de concreto em sete cidades, como terra pública a ser destinada para reforma agrária. Eles acusam os brasileiros de ter se apropriado dos terrenos. “Os invasores são os brasileiros”, afirma Victoriano Lopez, comandante do movimento. A maioria absoluta dos brasileiros que vivem no Alto Paraná, contudo, comprou fazendas de forma legal e tem título da propriedade. E o fato foi comprovado por sucessivas medições judiciais feitas nos últimos anos.
Por onde passaram durante a demarcação, militares e carperos deixaram um rastro de medo (veja infográfico). Durante os nove dias da operação, de 12 a 21 de janeiro, foram registrados nas delegacias da região quinze boletins de ocorrência por invasão de propriedade privada, coação, ameaça, agressão e tentativa de homicídio. Os excessos foram tantos que, em 23 de janeiro, o governo suspendeu a ação. Dias depois, o ministro da Defesa, Catalino Ortiz, foi chamado ao Senado para se explicar e admitiu irregularidades na ação.
Um dos marcos, de concreto e pintado de laranja fluorescente, foi colocado na propriedade de Milton Seipel. Às 13 horas de 14 de janeiro, um sábado, apontou na porteira um grupo de quarenta carperos armados com facões e de quatro militares. “Os campesinos chegaram, gritaram para minha mulher prender o cachorro, abriram a porteira e entraram”, conta o produtor. “Perguntei se eles tinham documento. Eles não mostraram nada e mandaram que eu me calasse.”
Uma semana depois eles apareceram nas cercanias da fazenda do brasileiro Alexi Paulo Grutka, de 47 anos, há 20 no Paraguai. Por lá também colocaram um marco. O filho dele, Diego, paraguaio de 23 anos, dirigia pela região quando foi interceptado por duas caminhonetes de sem-terra. Com uma espingarda, um revólver e facões em punho, os carperos mandaram Diego descer do veículo e o revistaram, sob ameaças. Dispararam um tiro de espingarda e fizeram o rapaz correr. Depois, quebraram os vidros do carro e roubaram a carteira e o celular que Diego tinha deixado no carro.
Os dois casos, como o de dezenas de produtores, foram relatados pelos produtores ao cônsul do Brasil em Ciudad Del Este, Flávio Bonzanini, em uma reunião ainda em janeiro. Pouco foi feito desde então além de acompanhar a situação, em obsequioso silêncio. Na terça-feira da semana passada, mais um encontro, dessa vez com a presença do embaixador do Brasil no Paraguai, Eduardo Santos. “Eles prometeram que agiriam dentro das possibilidades deles. Não quiseram se comprometer com prazos ou ações”, relata Milton Abich, gerente da Coordenadoria Agrícola do Paraguai e filho de brasileiros.
Em entrevista ao site de VEJA, o embaixador Eduardo Santos disse que tem mantido diálogo permanente com os integrantes do governo Lugo e que solicitou reforço policial na região do conflito. “A tensão da comunidade brasileira é real, prática e permanente”, disse Santos. Ainda assim, o tom usado com as autoridades paraguaias deve se manter. “Temos um diálogo leal e amistoso com o governo paraguaio. Nossas relações com o Paraguai são muito próximas.”
A única medida concreta apresentada pelo Itamaraty ainda está em estudo e não tem data para sair do papel. A diplomacia avalia a possibilidade de criar um gabinete de crise na região de Ñacunday, na forma de um consulado itinerante. No local, agentes consulares ficariam disponíveis para prestar assistência direta aos brasileiros.
A diplomacia poderia fazer muito mais pelos brasileiros, sem qualquer desrespeito à soberania paraguaia, com um simples – porém firme – discurso do ministro Antonio Patriota ou da presidente Dilma Rousseff a favor dos compatriotas que lá vivem.
Caso contrário, corre-se o risco de repetir no Paraguai a postura frouxa adotada em 2006 em relação à Bolívia.Na época, Luiz Inácio Lula da Silva tratou com brandura o programa de nacionalização na área do gás do presidente Evo Morales, apesar dos prejuízos causados pela política à Petrobras. Agora, estão em jogo a vida e o sustento de milhares de brasileiros que vivem no Paraguai.
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